sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

2.1 - Santo Amaro

“O homem pode vencer o homem, mas não a máquina. É isto o que vai acontecer. Desde o advento dos engenhos a vapor o que passa na planície nada mais é do que a luta da enxada contra o maquinismo, do dono da engenhoca e deste contra o usineiro. E afinal, de toda a massa de lavradores proletariados contra uma das dezenas de grandes fábricas atuais em mãos de chegadiços e alheios às tradições da vida regional”.
“A Planície do Solar e da Senzala”, Arquivo Público do Rio de Janeiro, 2ª Edição, 1996.

Este trecho escrito por Alberto Lamego retrata, com exatidão, o que aconteceu na Baixada Campista. De acordo com ele, o progresso contribuiu para apagar da memória as formas antigas de convívio social. Mas a tradição familiar está presente, ainda, nos poucos nativos que se encontram na região.
O distrito de Santo Amaro comporta a mais importante e cultuada “Festa de Santo Amaro”, realizada anualmente, no dia 15 de janeiro. As festividades atraem milhares de romeiros vindos de toda região. São 246 anos só de festas e os campistas, principalmente os que moram em Santo Amaro, os “santamareiros”, sentem orgulho das tradições: manter os detalhes das programações religiosas, receber os devotos, os pagadores de promessas como a reafirmação da devoção ao padroeiro.
Poucos são os escritos contando retalhos dessa história, abrindo janelas por onde se pode buscar, através de registro, tudo o que vem acontecendo no avir dos tempos. Os atuais moradores não conseguem com exatidão relembrar as datas e nomes que marcaram o lugar. A escritora Delma Pessanha Neves (“Baixada Campista”, Damadá, Itaperuna), escreveu um trabalho monográfico sobre o assunto, no qual algumas referências de fatos que marcaram a época orientam sobre as origens do lugar. Ela cita (p.12):

“Os antigos da cidade contam que a primeira capela do povoado foi construída por desejo de Santo Amaro. Segundo eles, a imagem do santo estava na igreja do Mosteiro, localizada no povoado de São Bento. Conta a lenda que um dia ele desapareceu do altar. Após muitas buscas, foi localizada num montículo de terra, onde depois foi erguida a capela em homenagem ao Santo. Os padres retornaram com a imagem para São Bento, mas outros desaparecimentos ocorreram e em todos às vezes a imagem foi localizada no mesmo lugar. Em virtude desse fato, foi construída a capela para abrigar a imagem de Santo Amaro”.

Segundo documentações encontradas no mosteiro de São Bento, a primeira capela erguida no povoado foi em 1735. A reconstrução aconteceu 60 anos depois, entre 1795 e 1798. Só na primeira metade deste século é que ela foi remodelada, recebendo as duas torres.
De acordo com Delma (apud Construtores e Artistas do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro), a imagem que está presente, ainda hoje, na igreja é a de 1790. Essa imagem é uma das mais antigas que a Ordem recebeu. Ela permaneceu no Rio até 1789, quando foi transferida para o arraial de Santo Amaro.
Dentre os documentos antigos que narram os festejos, há uma publicação do jornal “Monitor Campista”, fazendo convite à população para a festa do ano de 1865. O texto é o seguinte:

“Os festeiros do Glorioso Santo Amaro, Sebastião Ferreira de Souza, José Francisco Barbosa e Belarmino da Rocha fazem ver ao respeitável público e aos devotos do Glorioso Santo Amaro (sic) que no dia 14 e 15 corrente, celebrarão a festa do mesmo santo, na capela de Santo Amaro. Havendo na véspera cavalhada, à (sic) uma hora da tarde, e à noite sermão e fogos de artifícios, e no dia 15 missa cantada e sermão. A festa de sábado é feita toda pelo Sr. José Francisco Barbosa”.

Os nomes que encabeçam o convite são dos festeiros e juízes responsáveis pela ajuda financeira da festa. São eles que dão todo suporte de roupas, comidas e arrumação para receber os visitantes. Na maioria das vezes, são fazendeiros ou negociantes que têm um bom rendimento para ajudar na comemoração do santo.
Os festeiros se subdividem em festeiro principal, de mastro, de fogos e de cavalhada. Existe também a figura do procurador, que é escolhido entre eles para ajudar na arrecadação de donativos. Todos os anos, o festeiro é indicado pelo seu antecessor, organizando a lista de juízes e colaboradores.
Neste ano de 2003, os moradores acostumados com a produção da festa sentiram dificuldade para receberem os donativos, revelando uma crise, também financeira, para a realização das festas. É o que conta a costureira mais antiga do lugar, dona Maria da Conceição Ramos, 76 anos:

“Tive que me comprometer com as lojas. Fui até Campos comprar os tecidos para as roupas. O dinheiro que nos ajudou foi o da própria igreja, que faz uma série de atividades para arrecadar fundos. Pela primeira vez vamos ter que aproveitar as roupas da cavalhada no próximo ano”.

A história de vida de Conceição se confunde com a festa e é conhecida em todo lugarejo. Há 46 anos ela se dedica à costura das roupas dos cavaleiros que participam da cavalhada. Azul para os cristãos e vermelho para os mouros. Hoje, com a vista cansada apenas orienta outras costureiras no serviço, mas no fim sempre ajuda nos últimos detalhes. Da varanda de seu rancho, uma visão privilegiada, ela vê o cenário de toda a festa: a igreja ao fundo e bem na frente o campo do Pinheiro Machado, onde acontece a emocionante cavalhada. Ela faz uma narrativa sobre o acontecimento:

“A praça fica completamente cheia a ponto de termos de socorrer todos aqueles que precisam de alguma ajuda. Aqui em casa esse não é o problema. Se for para adorar Santo Amaro, está tudo bem. Pois, Santo Amaro é milagroso”.

A preparação não fica apenas em torno do movimento da igreja. Os moradores, não só de Santo Amaro, mas também de outros distritos, se envolvem para que nada dê errado. Delma (Op. cit., p.14) acrescenta, com riqueza de detalhes, o que é feito pela comunidade:

“Nesse período de tempo, todo o povoado se prepara para a festa. As casas são pintadas. Os moradores fazem roupa nova ou a roupa da festa. A igreja, o coreto e os postes são pintados. As árvores e arbustos são podados e têm pintados (sic), em branco, parte do tronco. A praça principal fica toda iluminada.
Nas noites que antecedem à festa, há torneios de futebol de salão, quando participam equipes de localidades vizinhas. Durante os dois dias anteriores ao da festa, as barraquinhas, que se dedicam ao comércio de alimentos, bijuterias, artigos religiosos e também (sic) o parque faz a festa da criançada”.

O padre Gilberto Araújo Alvin, 26 anos, é o responsável pela realização de missas em 31 comunidades da Baixada e dentre todas a igreja que mais atrai devotos é a de Santo Amaro. Todo o domingo é realizada a tradicional missa das 10 horas da manhã, quando dezenas de pessoas superlotam o sagrado templo à procura da benção do santo milagroso.
- A devoção ao santo atinge não só a Baixada, mas, igualmente, outras regiões. A festa tornou-se tão importante que já se tornou feriado na cidade de Campos dos Goytacazes
3 - lembra o Padre Gilberto, com brilho em seus olhos claros e significativos. Ele tem apenas um ano e meio de ordenação e já adquiriu grande responsabilidade em todas as comunidades que atende, embora atraia olhares mais insinuantes da mulherada.
É um ano inteiro de preparação até chegar o esperado 15 de janeiro, aniversário do padroeiro. São várias as etapas da festa: a cavalhada, o novenário, procissão, ladainha, leilão, hora dos fogos de artifícios e das missas, sem contar as barraquinhas integrantes da parte profana das comemorações e os shows patrocinados pela Prefeitura de Campos.
3 A Associação Comercial e Industrial de Campos vem protestando contra o feriado do dia de Santo Amaro, argumentando que o feriado deveria ocorrer somente na Baixada Campista.

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