sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

5.4 - Os que dançaram na história...

“Se for para procurar um cabra que gosta de festa e dançar todo tipo de música na baixada, procure por Antonio de Zinho, aquele que mora logo ali no Caboio...”

A informação é de uma pessoa desconhecida encontrada no caminho entre as localidades de Mineiros e Ponto da Areia, na Baixada Campista, durante as pesquisas de campo. Com efeito, lá encontramos o homem, que foi logo se adiantando: “Pergunte a dança e eu te digo como é”. Aos 68 anos, Antônio Franco Machado, conhecido pelo apelido de Antonio de Zinho, esbanja ânimo e força de vontade para continuar a vida rindo e lembrando dos velhos tempos.

“Naquela época não tinha muito o que fazer, porque ninguém tinha recurso para ter coisas materiais como TV e rádio. Era apenas trabalho e casa. Então, o tambor “Corre Mundo” ia de quintal em quintal, juntando os vizinhos e fazendo aquela bagunça na batida de palmas e no sapateado”.

Antonio de Zinho se considera o maior “dançador” da Baixada, sabe dançar Mazurca, Rancheiro, Lanceiro, Mana Chica, Folia de Reis e conhece toda tradição da Cavalhada
20. Os passos das danças ele ainda sabe de cor e lamenta não ter conseguido passar tudo para a próxima geração.
Na sua casa simples no Caboio, onde vive com a esposa, não há mais dança no fundo do quintal. Os amigos de antes já não aparecem mais. Uns já se foram e os que ficaram a doença não permite a alegria das festas. “Tudo era motivo para festa, claro que era dança regada com uma cachaça bem curtida”, lembrou com saudade.
Nos registros de Alberto Lamego, no livro “A Planície do Solar e da Senzala”, (Arquivo Público do Rio de Janeiro, 2ª Edição, 1996, p.79), ele relata que de todas as danças regionais a Mana-Chica foi uma das mais importantes. E conta como surgiu.

“Criada no seio da planície, entre lagoas e canaviais, remonta a sua origem a fins do século XVIII. Pelo menos é o que nos conta a tradição. Nasceu no Caboio, um desses pequenos agrupamentos marginais à estrada do Cabo de São Tomé, grudado ao solo raso, entre a Lagoa Feia e Mussurepe. Por aquela época, havia entre os moradores uma mulher apelidada de Mana-Chica. Foi a sua inventora. Da sua vida apenas deduzimos que era amiga da folia”.

Nas localidades e distritos o trabalho da procura por alguém que informe sobre a cultura popular é como garimpar. No distrito de São Sebastião, a simpática figura de Adrualdo Gama, 84 anos. Na voz cansada e no andar calmo de seus anos de estrada consegue lembrar dos tempos em que as danças eram motivos para grandes reuniões entre a família e amigos. “Dançava muito a Quadrilha, Lanceiro, Jongo e a Valsa. Quando conheci minha esposa a família dela não deixava sairmos para dançar e sempre era aquele problema”.
Com 62 anos de união com Alair Lima Gama, 82 anos, Adrualdo leva uma vida tranqüila. Quando era moço foi dono de cerâmica, criou dois filhos, que agora tomam conta do negócio.
Andando mais alguns quilômetros chegamos a Cazumbá, uma localidade pequena com poucas casas, uma igrejinha simples e gente conversando na janela. A população composta, na maioria, de mais idade, porque gente jovem só se for bem criança. Procurando pelas tradições da dança no lugar foi que se conheceu Antônio Mendonça Filho, um senhor de 65 anos. Quando se falou nas danças ele conseguiu recuperar na memória alguns passos e letras. Eis alguns fragmentos:

“Vamo vê dona Maria
quem te deu esse marido
veio do Rio de Janeiro
no oratório de vidro”.

“Vamo ver senhor Manel
quem te deu essa mulher.
Veio do Rio de Janeiro
enrolado no papel”.

No livro “Cantigas de Reis e outros Cantares”, a escritora Anna Augusta Rodrigues, (Editora Inelivro, 1979, p 11), explica o significado do termo reis e suas derivações.

“A palavra reis tem sentido extremamente flexível e larguíssimo emprego na região norte fluminense. É na verdade sinônimo de folia como folguedo, brincadeira alegre e em movimento, em trânsito pelas ruas ou caminhos. Ao mesmo tempo, refere-se a e confunde-se com reisados e com celebrações de Natal, do Ano Novo e do dia de Reis- ternos, ranchos, loas, autos pastoris e o que mais haja”.

Os rituais das danças aconteciam à noite e os tocadores iam de casa em casa e, dependendo do lugar, até ganhavam um dinheiro ou, quando muito, “um café para esquentar do frio” (sic). Seu Mendonça trabalhou durante 26 anos num guincho da usina Barcelos, mas durante os fins de semana aproveitava os bailes para fazer amizades e se divertir um pouco. Mas depois que casou teve que diminuir as saídas. Como ele mesmo diz: “O boi solto se lambe todo”.
Seu casamento durou mais de 40 anos e isso foi o bastante para gerar seis filhos. Hoje viúvo e com os filhos casados ele vive sozinho. “Tenho muita vontade de voltar a dançar aquelas velhas danças, ninguém por aqui sabe nada e os mais moços então só querem saber de forró”.
As principais danças lembradas por Mendonça foram o Lanceiro, a Mazurca, Quadrilha e o Reis. Na hora da entrevista ele improvisou uns passos de Mazurca e convidou todo mundo para dançar. Como sente muita necessidade de continuar nos bailes, vez ou outra freqüenta clubes de Campos e dança as músicas da moda.
- Tenho saudades de dançar o Lanceiro - disse essa frase com um sorriso e acompanhou o ritmo com um brilho no olhar. Ele acrescentou ainda que o Lanceiro pode ser dançado com quatro pares, o ritmo e o modo de marcar se assemelha com o usado na Quadrilha. Já se passaram 30 anos desde a última vez que “caiu” no terreiro para dançar o Lanceiro.
Como naquela época os registros eram escassos e as pessoas recebiam informações através da oralidade, o que se encontra ainda é muito vago. Na internet encontramos algum registro no site
www.uol.com.br/saojoao2003 sobre a Mazurca. Segue as informações:

“De origem polaca, a Mazurca é uma dança muito popular no Sul do Brasil. No século 19, era também chamada de Valsa de Dois Passos, em virtude da dança começar com dois passos laterais para a esquerda, seguidos de outros dois para a direita. A Mazurca é dançada em pares colocados em roda. Os casais começam por dar dois passos laterais no sentido do interior da roda, regressando logo à posição inicial. De seguida, dão dois passos laterais para o exterior da roda, voltando com outros dois ao ponto inicial. Depois, os pares valseiam, isto é, dançam girando sobre si próprios, do mesmo passo que a roda grande gira no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, até atingir o fim do trecho musical, altura em que tudo, música e coreografia, volta ao princípio”.

20 Segundo Antonio de Zinho as primeiras cavalhadas na Baixada ocorreram no Solar do Colégio. Para ele, o solar é o berço dessa manifestação tão importante, ainda existente em Santo Amaro, São Sebastião e São Martinho.

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