sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

5.2.1 - Periferia

As danças foram feitas ao som do tambor de Jongo e aqueles que não puderam ficar nas verdes planícies no trabalho da lavoura, foram tentar a vida na cidade. Na mala, a esperança de um emprego, a responsabilidade de cuidar da família e o que restou da cultura, da língua e das danças.
De acordo com Dário Soares Ferreira, antigo integralista e pessoa muito ligada às Festas do Laço, citado por Osório Peixoto, “(...) a favela substitui a senzala e é nela que a gente encontra os grupos de jongo”.
Milton Nascimento, 58 anos, é ex-jongueiro, nascido em São Caetano Velho, território onde ficava a Usina do Queimado, cortou cana por muito tempo, mas depois saiu da usina e foi morar na periferia, no bairro de Custodópolis, conseguindo se aposentar como trocador de ônibus na extinta empresa CTC e foi assim, finalmente, que se livrou da cansativa lida na roça.
Hoje, casado pela segunda vez, têm 16 filhos e 21 netos. Evangélico há doze anos afirma que o Jongo não tem nada a ver com a religião, mas que na sua concepção atual de vida considera um tanto profano as práticas jongueiras:

“O jongo representou para mim uma fase de intensa alegria e descontração. Eu conheci muitos amigos. Eu era o mais novo de todos e ainda assim eles me respeitavam muito. Na minha condição de evangélico acredito que a dança é o prazer da carne e por isso pretendo ficar longe. Mas sinto muitas saudades dos tempos que não voltam mais. Aquele batuque do tambor vem na minha mente. Saudades dos velhos jongueiros. Valeu a pena”.

Diante de tal declaração Milton ficou com os olhos cheios d’água, com certeza na cabeça dela um filme passou lembrando de todo aquele tempo em que a dança era pura e de raiz. Ele acrescentou que os encontros dos jongueiros aconteciam na Avenida Cabo Baiano, quem promovia as jongadas era o próprio Cabo Baiano, que, segundo Milton, era “um caboclo arretado que fazia festas todos os fins de semana”.

“Há quem diga que foi ele que trouxe a dança para o bairro. Todos se juntavam no quintal da sua casa e ficavam virando a noite só na dança. Era uma alegria só. Faz trinta anos que o Cabo Baiano morreu e, com ele, todas as festas”.

No bairro próximo, chamado Parque Santa Rosa, vive Maria Creusa Batista Alves, 42 anos, filha de uma das grandes divulgadoras do Jongo, em Campos, a famosa Maria Anita. Ela busca nas lembranças a história da mãe e do Jongo na vida de toda família, que aproveitou a dança como forma de trabalho durante muito tempo.

“Minha mãe tinha um bar e lá as pessoas se reuniam para dançar Jongo. Ela era uma mulher muito lutadora trabalhava e sempre com muita firmeza em tudo que fazia. Ela foi a primeira mulher a usar calça comprida na cidade. A história toda começou com seus pais que dançavam Fado, mas era do Jongo que ela gostava mais”.

Maria Anita morreu no ano de 1986, mas deixou para toda família a arte do Jongo. Os descendentes se reuniram e com doze componentes montaram um grupo que, contratado pelo Departamento de Cultura da Prefeitura de Campos, se apresentava em escolas, teatros e até em praças publicas.

“Naquela época o grupo era muito importante e ganhamos até um prêmio na Semana do Folclore do Sesc de Campos e, depois, no Rio de Janeiro, no Sesc da Tijuca. Se tivéssemos condições retomaria tudo novamente, mas as pessoas precisam trabalhar e não há ninguém que pague por essa cultura”.

Uma publicação de Osório Peixoto, provavelmente do início da década de 80, encontrada na Biblioteca Municipal Nilo Peçanha, retrata alguma coisa sobre Maria Anita e mostra a importância da divulgação da cultura do jongo na época.

“Famoso também é o grupo de Maria Anita, que está até participando do Pacote Cultural, apresentando-se com êxito em vários eventos - horrível o nome do evento - do Pacote, de nome também horrível”.

O que não falta para Creusa, a Mariinha, são lembranças das letras de Jongo. Segue algumas letras mais usadas nas apresentações:

“13 de Maio
Quando a princesa chegou
Levanta nego
Vem saravá meu tambor
Saravá Tambor
Tava dormindo
Quando a princesa chegou”.

De todas as letras, em especial, na seguinte ela lembra muito mais da mãe:

“A formiga Taco-Taco
Me mordeu aqui
Me mordeu aqui...
Que formiga danada
morde canto por canto”.

O sorriso de Creusa fica brilhante ao lembrar o que a música trouxe de bom para sua vida no tempo em que Maria Anita era dedicação em tempo integral à família, que ficava sempre bem unida. “A união da família sempre foi muito importante para mim. Não pode deixar a dança morrer, está morrendo, está morrendo, mas não podemos deixar. Praticar o Jongo é como manter viva a minha mãe”
17.

17 O grupo de Mariinha já não existe mais, o que prova que a cultura de raiz ao se estabelecer no nicho da cultura de massa acaba morrendo com seus principais cultores. Depois do Pacote Cultural da prefeitura, o grupo se desfez e hoje até os tambores estão desaparecidos.

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