quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

17.10 - GOITACAZES - Geraldo Anjinho em 26/07/2003

Geraldo Gomes Rangel, sou conhecido como Geraldo Anjinho, isso não incomoda, pelo contrário.
Quantos anos o Sr. faz logo?
62 anos. Sete do dois de mil novecentos e quarenta (7/2/1940), quando começou a Segunda Guerra Mundial, mas não sou guerreiro, sou nada guerreiro, nada não
Você ainda dança Jongo?
Não, muito tempo, né? Porque aquilo depois que desativou, que as minhas raízes era lá no Colégio, depois que aquilo ali foi acabando, né? As residências, que ali tinham, era esse Barroso né? Depois que houve o falecimento do último, que foi o João Batista Barroso, então os herdeiros assumiram, mas não deram aquele seguimento, aquilo ali ficou inclusive...
Mas antes ... do dono do Solar, mas como que era? João Batista Barroso.
É, João Batista Viana de Paula Barroso.
Aí, ele não deu continuidade.
Os herdeiros que ficou, que um eu conheço, Paulo Brega, né? Que mora aqui em Campos. Ali também tinha uma igreja, né? Que é a Igreja do Santo Inácio.
Santo Inácio e de Nossa Senhora, não é? Nossa Senhora.
Bem, tinha Nossa Senhora, mas a Igreja mesmo era de Santo Inácio. Só que depois da reforma, a igreja, ele disseram acabando com a igreja, porque é o seguinte, porque aqueles altar que é aqueles prédios históricos, né? As imagens, tinha lá um conteúdo muito grande, tinha uns quadros na parede e, sendo depredado, pessoal panhando as coisas sem nenhuma noção.
Mas agora a última reforma recente?
Essa reforma não. Essa reforma foi no governo de Leonel Brizola, por intermédio de Darcy Ribeiro, que inclusive vinha, descia de helicóptero, vinha na imprensa tão logo tomava conhecimento, para fiscalizar a obra, entendeu? Ficava ali fiscalizando, mas e, foi obrigado a acabar com a igreja porque não tinha mais o sentido, porque não tinha mais os altares, os santos também não tinha, inclusive ali tinha um túmulo de Benta Pereira, tinha outro, tinha três túmulos ali, não tô lembrado.
Não tem mais esses três túmulos?
Não, acabou. (Pausa chama pela esposa Ivone). Porque o projeto do Professor Darcy, seria aquilo ligado a Uenf, né? Que seria...
Seria uma escola de cinema?
De cinema e vídeo, mas não teve o seguimento né? Político, com a reeleição, então ele foi e ficou ali até um bom tempo.
(Pausa: Geraldo Anjinho apresenta sua esposa, Ivone, aos alunos).
Você morou quantos anos no Solar do Colégio?
Olha, eu morei no Colégio desde quando eu nasci até uns quinze anos.
Sua família é de quantas pessoas? Moraram em quantos lá?
Lá na Fazenda do Colégio?
É.
A minha família, nós moramos ... meu avô, minha tia, meu tio, e uma sobrinha que foi criada também por eles, fui criado por eles, depois então que eu vim para Goitacazes, morar com os meus pais, era uma família de cinco pessoas. Mas nós não morávamos no Sobrado, nós morávamos numa residência a parte, não era nada da fazenda.
O Sr. chegou a dançar o Jongo?
Cheguei.
Qual das danças que o Sr. mais gostou?
Lá a gente fazia é uma..., nessa época tinha aquele pessoal antigo, né? Que todos 13 de maio, a gente fazia uma brincadeira, inclusive com esse Corre desse tambor Corre-Mundo que até hoje existe. Então nós tinha lá um pessoal de idade, não é? E a gente participava, só mesmo o Jongo, tinha o Boi Pintadinho, compreendeu? Mas o Boi Pintadinho de lá, é só naqueles períodos mesmo, não é um boi que como existe hoje sai pra rua pra participar desfile, nada, era uma brincadeira mesmo do pessoal, entendeu?
Mas lá o Sr. não chegou a dançar o Lanceiro, a Manzurca?
Não, isso não.
... O Sr. lembra alguma?
Folia de Reis, muita coisa. Eu participei, teve Cavalhada também.
O Sr. lembra alguma música do Jongo de quando o Sr. dançava?
Ah meu Deus do Céu!
Alguma letra assim?
Muito difícil. Inclusive tem uma muito bonita que é sobre o Corre-Mundo. Mas eu posso, tem uma pessoa aí que é muito ligada a isso que pode dar uma ajuda também, compreendeu? Que é mais antigo, né? Tem o Marquinho ali, mas é mais o pai dele, Marquinho também, Marquinho tem algum conhecimento, agora tem a família desse aqui (apontou para Zé Embate, em uma página da Folha da Manhã).
É a gente conheceu.
Foi lá né?
A gente vai até passar lá daqui a pouco.
O tambor parece se encontra lá.
Mas a dança mais praticada lá era a Mana-Chica e o Jongo?
Mana-Chica e o Jongo. E tinha as Folias de Reis que percorria aquelas casas, né? Naquele tempo, né? Cantava os Reis.
E nas letras das músicas, mais reparava o quê? Eram desafios, eram cantos de ....
Tinha desafios também. Tinha o desafio que era feito por Biru, conhecido como Biru, que era um dos mais antigos, fazia muito bem, tinha umas coisas, eu não lembro dessas coisas, ele chegava assim, improvisava e fazia aqueles versos, isso na Folia e tinha também nos Reis.
Folia de Reis, era aquela que tinha a figura do palhaço, e tal.
Justamente...
E o Reis era mais a dança.
Mais a dança né? Que eles percorriam as casas.
Mas essa dança era como, o Sr. lembra, como que era essa dança?
Tinha um sapateado, tipo um sapateado, né? Aquele negócio “num chegou em cima o quê?”, era só um sapateado mesmo, que era feito ali, fazia uma fogueira em volta, né? Tomava uma pinga no coitê, enfim fazia ...
Lembrava as festas do Sul? Como que era esse tipo de sapateado?
Sapateado era assim tipo um Jongo, a coisa batia e fazia... entendeu?
Era viola, o tambor...
Era viola, um pandeiro, aquele pandeiro mesmo, de couro rústico de boi e o tambor Corre-Mundo, entendeu? Tinha aquelas viola.
O que é coitê?
Coitê é uma cumbuca, mas existe a planta coitê. Esse coitê era muito usado, pras pessoas fazer, tomar uma pinga ali e tinha outros que naquele tinha aquelas latas de farinha muito grande que eles guardavam pra tirar farinha, uma, entendeu? E hoje a gente não sei, onde vai a gente encontra. Que o coitê dá, mas ele dá mais redondo, né? Tipo uma abóbora d’água, depois que ele seca, corta tira os caroços e coisa, e ali faz que eram os utensílios dele, na época....
E a planta em si, ela é bem dura?
É bem dura.
Há uma lá no centro de Campos.
Da licença, eu tenho uma aqui parecida, mas não é o coitê.
...
(palavras da esposa Ivone, 56 anos, fala um pouco sobre a sua vida e a relação com o Solar do Colégio).
...
Tenho este aqui, mas não é propriamente o coitê, é parecido, que o coitê ele é todo redondo, redondinho. Mas isso aqui também vem de lá, tem aqui na minha casa a mais de uns 15 anos, entendeu?
Isso aí é o quê?
Isso aqui, parece uma abóbora d’água, mas não é, é outro tipo semelhante ao coitê.
Agora, o coitê ele é uma fruta?
Não, o coitê não é uma fruta. Ele é uma... como se diz... não sendo uma fruta ele é...
Aproveita-se alguma coisa dele?
(confusão, várias pessoas falaram ao mesmo tempo, mas Geraldo Anjinho afirmou que sim, somente a casca).
Inclusive o pessoal lá da lavoura, pra botar com água, pra água permanecer fresca, entendeu? Tinha essas coisas. Os menores serviam de caneca, lembra até o uso ... pra tomar café, pra fazer alguma coisa, (aquelas talhas antigas, a gente tirava a água da talha com isso aí, palavras de D. Ivone).
Certo, e outra coisa normalmente usavam o quê? Mais na época em que ele estava verde ou já maduro?
Não, tem a época certa de tirar, se tirar antes ele não é funcional, então eles sabiam a época certa de tirar pela força da Lua como eles comentaram e falaram, então já tiravam de vez, aí botava pra secar, antes dela secar total, eles faziam alguns utensílios deles como uma cumbuca, como chamavam, pra tomar água, tomar alguma coisa, entendeu? Se eles não fossem tirar na época certa, então, ele não tinha utilidade porque murchava, inchava essa coisa toda.
Mas o Sr., voltando a história lá do Solar, o Sr. lembra de alguém que divulgava mais, uma pessoa mais antiga, que divulgava mais as danças, Mana-Chica, Jongo? Tipo, como se encabeçasse a história, lá, se lembra de alguém mais antigo, que fazia esse trabalho?
Tô pensando aqui, pessoa certa pra gente, né?
É tipo como se fosse essa pessoa que divulgou mais?
Tem uma senhora ali na Linha do Limão, mas nem sei se ela tava adoentada.
Ela morava lá e era a que mais divulgava?
É essa aí, ela participava muito disso, mas tem uma Sra. aqui atrás, mas também pessoa preta ...casa filha que faz um, deve ter na faixa de seus noventa e cinco, noventa e seis anos, mas tem uma pessoa lúcida que podia conversar, no momento o que eu posso deixar isso pra vocês, vocês fazem o seguinte, vocês deixam o contato comigo eu vou ver, inclusive, sei que vocês já devem tá sabendo, hoje e amanhã vai ter festa lá.
É mas é quadrilha né? Porque eles falaram que não conseguiram recuperar o Jongo e a Mana-Chica.
Aqui, nós temos um rapaz aqui, Marquinho preparou até um pessoal, pra coisa.
Marquinho é filho desse aqui, não é isso?
Não, o filho desse é outro, se vocês quiserem eu posso ir ali conversar com um antigo, ele inclusive é sanfoneiro, participava muito disso e mora aqui pertinho, se vocês quiserem a gente pode tentar conversar com ele, tá certo?
Como é o nome dele?
É Zezinho, Zezinho Trindade.
Já estivemos lá.
Já estiveram lá?
Não, nós estivemos com Antônio Trindade.
Não, que tem Antônio Trindade, também é da família. É da família, é tudo a mesma coisa.
Com Sr. Zé Heitor, lá da Linha do Limão.
Conversou com ele?
Está muito doente.
É uma pessoa de muita idade, né?
Mas eu queria lembrar de mais alguns nomes, tipo...
De nome assim que participavam?
Não só que participavam, mas da história mesmo do lugar...tipo ... mas acho que fica difícil né?
É meio difícil porque ...
As pessoas não tinham nada para registrar
Naquela época ninguém registrava nada, só entendeu? Participava ali, depois também tinha vida meio dura e que pode assim inclusive, agora que vocês estão fazendo isso que seria importante que fosse um pouco mais, logo assim né? Quando começou, esse ... a ver aquele isolamento lá do Sobrado, porque muita gente achava que aquilo não ia resolver, mas nada. Ninguém ia reformar porque depredaram ele total, porque os forro era madeira-de-lei, canela, jequitibá, peroba, então tirou o assoalho, para dividir a parte do segundo andar, né? ...situação... e o túmulo foi violado porque achavam, comentaram que ali devia ter... e chegaram lá e quebraram tudo, foi uma situação muito dura para quem sempre viveu ali, participou, né? Agora, para falar sobre a família dos Barroso, isso aí já fica até uma coisa mais fácil, né? Tem um rapaz que é Paulo Brega, ele que cuidou das últimas horas do último mandatário da família.
Ele mora aonde, esse Paulo Brega?
Ele mora na cidade, mas está constantemente aqui, porque inclusive ele ainda, ele ficou com a fazenda né? Ficou com uma parte da Fazenda e ainda tira leite lá num curral, de sua propriedade. Se vocês quiserem fazer contato com ele. Esse aí vai falar sobre a história ...
História mesmo do Solar.
Agora,...
Mas na época dessa família, tinha dança ainda lá? Porque ...
A dança, ela se realizava no campo, não propriamente na...
Ali em volta?
Ali em volta, entendeu? Não era propriamente no Sobrado ... realizava a dança. A dança era realizada no campo, fazia aquele ponto, né? Acendia a fogueira, ...
Agora esse Sr. que o Sr. falou da sanfona, ele ainda tem a sanfona?
Esse Sr. tem, mas ... ele tem a sanfona ainda, é Zezinho o nome dele. Ele mora aqui pertinho.
Zezinho também?
Zezinho Trindade. Você pode falar que foi Geraldo Anjinho que mandou lá, se vocês quiserem posso ir junto.
E se de...É bom você ir junto, que aí vocês dois juntos lembra de mais coisa.
É justamente, puxa uma coisa, puxa outra, né?
E a ...palavras o Sr. não lembra não? Dessas palavras antigas que eram usadas? Tipo gírias de agora.
Compreendo, eu sei como. As palavras eram comum naquela época, né? Xingavam nomes, uma coisa assim, coisa mais comum, né? ... mas eu não lembro mesmo. ... Aquelas palavras, xingava né? Aqueles nomes... palavras que eles usavam, como Biru por exemplo, Biru usava determinadas coisas e tal.
Biru faleceu há quanto tempo?
Tem mais de vinte anos.
Mais de vinte anos? Nome todo dele era como? Ele deixou algum descendente? Só conhecia como Biru?
Só conheci como Biru.
Você sabe a diferença da linguagem, muxuanga para mocorongo?
Eu não sei, só sei que tem a muxuango e a mocorongo, é o que eles falavam lá, fulano é muito mocorongo, (mocorongo, pra gente, as vezes é o capiau, que a gente diz, cafona. Mixuango, é aquele pessoal da roça, que é diferente, né? É aquele pessoal da roça, tem o pessoal da roça, tem o pessoal mixuango, definição dita por D. Ivone), é justamente. (Agora o pessoal, mocorongo, a gente diz que é o pessoal, cafona, que a gente coloca hoje como se fosse o cafona, mais ou menos isso aí, naturalmente). Saía ia pra cidade ficava todo, assim ... e tal (envergonhado, era isso aí, da roça).
Então a diferença das palavras, era nesse sentido aí, não é que um falava um palavreado diferente, outro falava um palavreado...
Não era o comportamento deles, era mais o comportamento.

(pausa para o cafezinho, Geraldo Anjinho, confessa que Zé Embate se emocionou com a apresentação e morreu antes, e que Zé Embate daria o Tambor Corre-Mundo para o Professor Orávio, mas ele pediu para desligar o gravador.)

Fala alguma coisa sobre esse doce, o Farte.
O Fate (Farte) era um... ele era feito com sangue de porco e os ingredientes eu sinceramente eu só sei dizer que era uma delícia ele era picante, o chouriço, é isso, dá o nome de chouriço, então ele ficava uma coisa muito gostosa, ele era picante que tinha ... a gente aqui conhecia como chouriço, né? (Chouriço se faz com sangue, palavras de D. Ivone), com sangue de porco, o chouriço é feito com sangue de porco.
A gente conheceu o Farte como uma outra coisa, né?
Como doce.
O Farte, esse chouriço é um doce.
É doce. (Não! Chouriço é ...), Não! Chouriço é uma coisa,
...(tripa do porco recheada com sangue coalhada do porco, temperado, D. Ivone). Agora, o Fate é feito do sangue também do ... (Não, o Fate, não) ...
Ah, é tô fazendo confusão!
...Comida típica tinha lá?
Lá o que a gente... quando a gente dançava era uma... aquelas carne de leitoa, né? Que a gente comia, que o pessoal assava ali mesmo naquela coisa, comia também batata-doce, aipim, e...
Tinha uma receita...
Ah! Não tinha não, e muita pinga. Esse tempo não tinha cerveja, muita pinga, nesse tempo não tinha cerveja, ninguém nem sabia... pessoal ficava mesmo animado, né? Aí assava ali a mandioca, a batata, né? Fazia aquelas, tinhas aquelas carnes que eles guardavam na própria banha ali, jogava ali, não era churrasco, né? ...Era uma carne surpresa, mas os outros... carne de sol, carne de sol que a gente fazia ali pra assar, pra fazer uma brincadeira.
...
Eu vou beber, eu vou jogar,
quando você meu amor, me deixar,
Canta e bate com meu dedo
comigo esticando a madeira
a mais de meio século
depois entrou outro Jongo

Aí outro Jongo, cê já vai entrar outro Jongo, né?

Na barra do seu vestido
foi o mesmo que queimei
com o fogo do meu cigarro
o tempo em que te amei

Aí vinha o sapateado, né?

Saracotea apesar das dificuldades
andar a pé repete o coro
depois mostrar mais um
fui convidado para um baile
... do Lagamar
fui de terno branco e chapéu de panamá

...

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