sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

2.3 - São Sebastião

Palco das grandes mudanças realizadas na história, o distrito de São Sebastião conta fatos da cultura e da economia do município de Campos dos Goytacazes. É o maior no número de habitantes, uma vez que ultrapassa a 14 mil, segundo o IBGE. Mostrando os relatos dos trabalhadores de usinas próximas, comerciantes, bordadeiras e do próprio padre da paróquia, o quebra-cabeça do tempo vai se montando.
A primeira construção na localidade foi a capela de “São Sebastião”, datada de 1786, contando 207 anos e, por isso, seus registros são usados como fonte de pesquisas para muitos historiadores da região. O padre Lenilson Alves dos Santos, 26 anos, responsável por mais 14 outras capelas das comunidades próximas, pensa no futuro criar um museu com o levantamento dos séculos de existência da construção. Ele assinala:

“Mesmo não tendo confirmação em registro, acredito que esta seja a igreja mais antiga de Campos. Os livros de batismo e casamento que ainda existem comprovam sua antigüidade. Penso futuramente reunir vários documentos e tentar montar um mini museu na capela, isso atenderia muitas dúvidas de toda população”.

Imagens datadas da fundação da capela ainda fazem parte do altar: o padroeiro São Sebastião, no altar-mór; São José, no altar ao lado; e o Crucifixo, ao centro. São todas no estilo barroco, detalhadamente trabalhados e trazidos pelos jesuítas na colonização. A arte barroca muito difundida pelo homem no século XVII trouxe novamente a dedicação às coisas de Deus. Explicação encontrada no livro Literatura Brasileira, de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, Editora Actual, 1995, p 44:

“O Barroco na arte marcou um momento de crise espiritual da sociedade européia. O homem do século XVII era um homem dividido entre duas mentalidades, duas formas diferente de ver o mundo. Uma nova onda de religiosidade foi trazida pela Contra-Reforma e pela fundação da Companhia de Jesus”.

Pelas ruas do lugarejo o movimento é tranqüilo e quem viveu aqui a vida toda, como dona Maria Geni Cordeiro, 73 anos, conta que há algumas décadas não era assim. Principalmente porque o lugar era cortado pela Estrada de Ferro, fazendo com que o comércio fosse vasto e a população pudesse desfrutar das mais variadas opções.

“Tínhamos desde do prego até a seda importada, podíamos comprar de tudo. A economia era bem diversificada. Depois, com o surgimento das usinas, a população passou a trabalhar nas usinas de Poço Gordo e do Taí, alguns fazendeiros forneciam cana-de-açúcar para a usina de Cambayaba. Com a falência das três a população passou a trabalhar nas cerâmicas. Por enquanto são os pequenos comércios e as cerâmicas que sustentam a população”.

A Estrada de Ferro Campos-São Sebastião foi inaugurada no dia 5 de julho de 1873, tinha extensão de 19.930 metros, fazia o percurso: Campos, Cruz das Almas, São Gonçalo, Campo Limpo e São Sebastião. O primeiro ramal ferroviário do interior do Estado foi implantado em Campos, graças a figura do campista João de Sá Vianna e do alemão Rodolpho Evaldo Newbern. De acordo com o departamento de pesquisas do jornal campista “A Cidade”, publicado no dia 5 de julho de 1973, p7, naquela época as ferrovias foram se espalhando por todo país.

“Ao início da segunda metade do século passado, precisamente em 1854, era inaugurada a primeira ferrovia brasileira - Estrada de Ferro Mauá, na Província do Rio de Janeiro. Foi o ponto de partida para difusão desse melhoramento em várias províncias de norte a sul do país, particularmente da década de 70”.

Em 1888, surgiu mais dois trajetos diferentes: a Estrada de Ferro Macaé-Campos e Estrada de Ferro do Carangola. A empresa Leopoldina Railway fez a interligação dos três trajetos através da ponte construída sobre o rio Paraíba. Conhecida até hoje como “Ponte de Ferro”. Mas o general Pinheiro Machado, morador na época da freguesia de Santo Amaro queria que o trem seguisse até o lugar. Como conta o jornal “A Cidade”:

“Com permissão do prefeito Julio Feydit foi prolongada a ferrovia. E dentro em pouco a ponta de trilhos chegava a Santo Amaro e da sua estação até o sobrado de Boa Vista foi construído pequeno ramal férreo, servido como bonde de tração animal, para atender o general Pinheiro Machado. Por quase um século a linha Santo Amaro serviu à Baixada Campista até ser considerada um ramal deficitário”.
De 1963 a 1964, fez se uma tentativa para sua reabilitação no transporte de passageiros, passando a funcionar como trem de subúrbio. Ao final de 1964 foi suprimido o trem de passageiros, por não suportar a concorrência com o ônibus. A predominância nacional do transporte rodoviário sobre a ferroviária foi marcante nessa época”.

Uma outra fonte de renda que auxiliou muito no orçamento doméstico dos moradores do distrito foi das rendeiras, uma profissão, passada de mãe para filha, que movimentava todas as mulheres da casa. Por muito tempo a produção rendia um bom dinheiro e era vendida na cidade. É o que conta Dona Geni:

“As mães ensinavam os biquinhos, a fazer colchas e o croché, era tudo passado naturalmente de mãe para filha. O que rendia também um dinheiro no fim do mês para ajudar nas despesas da casa. Hoje não se encontram mais as tradicionais rendeiras, apenas alguns paninhos que lembram aquela época”.

Com lágrimas nos olhos ela afirma que a história está esquecida e lamenta por ter perdido o pai quando tinha apenas 7 anos. Julga que se tivesse convivido mais algum tempo com ele saberia orientar bem melhor os curiosos:

“Sei que é um dos distritos mais antigos de Campos. Aqui existia o “Culto ao Divino”
5 sempre no mês de novembro, muito parecido com o que os nordestinos fazem. Talvez essa cultura tenha vindo junto com a cana. Outro fato importante de ser lembrado foi que aqui neste pequeno distrito já teve até um jornal. Se eu tivesse convivido com meu pai mais alguns anos poderia ser uma fonte maior de informação. Sinto muita saudade, a gente sempre tem saudade do passado. Algumas pessoas foram embora por falta de emprego ou por quererem tentar a vida fora. Eu fiquei porque amo esse lugar”.

Valdinéia Henrique de Almeida, 47 anos, é filha de rendeira, só que não aprendeu com a mãe e, na verdade, nunca conseguiu entender o trabalho manual como renda. Mas ganha a vida como a mãe, só que fazenda marca e croché.

“As pessoas não dão muito valor a tanto trabalho, acho que na época de minha mãe a valorização era maior. Eu por exemplo faço todo o trabalho e vendo para dona de uma loja em Cabo Frio. Aqui por todos já conhecerem a arte poucas pessoas compram”.

E assim vai se costurando a história do pequeno distrito feito de rendeiras, das mãos de operários já envelhecidos nos trabalhos das antigas usinas, ricos fazendeiros, dos mais jovens que persistiram em ficar no lugarejo que agora trabalham nas cerâmicas ou no comércio. E finalmente da fé católica dos fiéis vigiada pelo guardião “São Sebastião”.
5 Na realidade, trata-se da Festa do Divino Espírito Santo, com suas bandeiras vermelhas, suas figuras de príncipes e a solenidade do coroamento do Rei Menino.

Nenhum comentário: