sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

7 - O Linguajar da Baixada


“Já pelejei muito, de pé no chão. De iguá, até trotei, depicuá pelo pescoço adentro, por muitas légua, feito burro, com peitorá vestido puxando instrumento de aradinho nas limpeza da lavora!”.

O texto é do escritor (e médico) José dos Santos Silva, inserido no livro (“Carreiras Di-Já-hojinho”, Damadá, Itaperuna, 1989), no qual ele relata vários “causos” da Baixada Campista, descrevendo com precisão o linguajar da população do interior. José dos Santos nasceu sub-distrito de Goytacazes, filho de uma família de dez irmãos e cresceu dentro dos costumes e passou pelas mesmas necessidades de qualquer família obrigada a sobreviver do trabalho nas lavouras da cana.
O linguajar arrastado daqueles tempos não é mais o mesmo, porque algumas expressões sumiram do cotidiano dos moradores, na medida em que a mídia comunicacional começou a invadir as casas por meio da TV, rádio, revistas e diversos outros meios, fazendo as pessoas se adequarem ao vocabulário falado nos centros urbanos. Restando apenas alguns indícios do sotaque e perdidas palavras.
O livro “Antropologia Cultural – a ciência dos costumes” (Felix M. Keesing, p.20), fala sobre a relação do processo de distribuição da linguagem e sua dinâmica.

“Um grupo de pessoas que usa os mesmo sinais verbais é referido como uma comunidade de mesma língua. Falando em sentido lato, o conceito é bastante claro; refere-se a pessoas que são capazes de compreender umas a outras. Como tal, são distinguidas em oposição a pessoas que vivem em outros mundos de intercâmbio mental, como estando em outras comunidades de mesma língua.
Entretanto, na realidade, a demarcação de uma comunidade de mesma língua de modo algum é sempre fácil. As línguas muitas vezes se misturam, gradativamente, umas com as outras, através do intercâmbio mútuo de palavras e sentidos, principalmente quando estão geograficamente adjuntas, de modo que os limites não são definidos. Podem partilhar de uma só ascendência e, embora há muito separados, ainda ter muitos elementos evidentemente idênticos. (...) Além do mais, dentro de uma determinada comunidade de mesma língua, tendem a existir muitas subdivisões. Uma língua vastamente difundida tenderá a ser regionalmente diferenciada no que chamamos dialetos, formas verbais que possuem contrastes marcantes, embora não suficientes para caracteriza-las como línguas separadas”.

O homem que viveu a vida toda no campo, mesmo tendo freqüentado a escola tem um estilo próprio de falar, ainda que a televisão tenha invadido sem barreiras há maioria dos lares, algumas palavras ditas pelos ancestrais conseguiram sobreviver às novas tecnologias. O escritor Felix faz essa diferenciação.

“Adicionalmente, podem existir distinções entre a linguagem falada e a linguagem literária, se existe tal coisa (em geral escrevemos está, mas dizemos ´tá), entre a linguagem sofisticada dos centros principais, especialmente sendo urbanos, e as áreas provincianas e rurais, e entre a linguagem das classes superiores e inferiores, ou das cultas e das incultas. Depois, pode haver, igualmente, especializações convencionais, fundadas na ocupação (terminologia legal e médica em nossa própria língua), na religião (linguagem eclesiástica, contendo tipicamente muita coisa arcaica), ou na posição (terminologia “honorífica”, pertinente a classes e líderes), no sexo (alguns povos exigem que homens e mulheres empreguem espécies diferentes de discurso) e em várias outras dimensões”.

Com o título “Crônicas & Causos”, Gil Wagner Quintanilha, p.113, descreve histórias sobre a Baixada, focalizando a língua e os costumes da população. De acordo com ele o lugar viveu anos criando o seu linguajar regional, algumas vezes enriquecendo o vocabulário com palavras não dicionalizadas.

“São maneiras próprias do nosso falar, uma espécie de cacoete ou sestro a que nos agarramos como exclusividade em nossa conversação. Conheço, por exemplo, o caso de certo campista de Santo Amaro: andava ele numa calçada de Porto Alegre, quando ouviu dois senhores que iam pouco adiante, tendo um, respondido ao outro assim: - Rapaz, aquilo é um “lamparão” de teimoso. Aquele “tisgo” é muito “ico”. O santamarense não agüentou e bateu no ombro do autor daquela saborosa frase: - Se mal lhe pergunto, o senhor é de Campos”.

A moradora da localidade de Mineiros, Alaíde Vital, de 93 anos, ainda muito lúcida, consegue falar de forma clara e precisa e em seus diálogos fica difícil anotar qualquer erro gramatical. Neste caso, o sotaque fica fácil de fazer a diferenciação, mas não há erros de português: “Confesso que nunca freqüentei a escola, mas sempre tive cuidado com as palavras e o que é melhor sempre observei os mais velhos tinham para passar”.
Algumas palavras com origem na Baixada correm também pelo centro de Campos, um exemplo é a palavra cabrunco, pronunciada quando quer dizer que alguém é ruim. Lamego (op. cit. p.98), conta a origem da palavra:

“A palavra é proveniente de uma doença que atinge o gado bovino. O carbúnculo, essa doença contagiosa é transmitida ao homem através do contato com o couro de algum animal infectado pela doença. Mas como o homem do campo, ignorante no linguajar não compreende o nome da doença ele provavelmente ao transmitir a informação para outro cidadão acabava pronunciando a palavra de forma incorreta, e o carbúnculo, vira cabrúnculo, passando posteriormente a pronúncia que hoje conhecemos, o cabrunco”.

Na realidade, a questão da linguagem muxuanga, ainda existente na memória dos mais velhos, embora possa ser mais discutida pelo ponto de vista etimológico, está sendo destruída pelo espírito do tempo, segundo definição que passa pela leitura de Heidegger e W. Benjamim. Isso quer dizer que os meios de comunicação e os avanços científicos e tecnológicos vão mudando a característica vivencial do interior, fazendo com que a grandeza de sua cultura seja substituída pela cultura de massa produzida pela televisão.
O próprio Pierre Lévy (“Tecnologia da Inteligência”, (Ed. 34, São Paulo, 1999) assinala que, inclusive, exageros à parte, que “não existe mais o interior, porque é possível estabelecer, de qualquer lugar do planeta, as formas de comunicação criadas pelas novas tecnologias”. Este trabalho, nesse sentido, objetiva fazer o registro histórico recuperando parte considerável dos costumes dessa região tão importante para o município. E o fizemos a partir da história oral, antes que seus cultores faleçam, levando o que restou da saga de seus antepassados para o esquecimento natural de todos os túmulos.
“Toda a estruturação da sociedade humana é devida à linguagem”, (Bloomfield, 1933, livro Antropologia, pg. 551)

Uma das maneiras de compreender a história de um povo, ou de diversos povos está no estudo de como sucedeu a transformação da linguagem. No caso específico do linguajar da Baixada Campista e de todo o município, foi necessário buscar no limiar dos tempos, e em livros de lingüística a compreensão e o entendimento de como isso ocorreu.
Vale lembrar que, na Baixada Campista, viviam os índios goitacazes que, ao perceberem a chegada do homem branco, intruso, fez de tudo para manter a posse da terra, mas diante da técnica do homem, o índio aos poucos recua, se entrega ao contato, e é subjugado pelo homem, que dizima toda uma nação.
Mas a terra vinga-se e destrói no homem o espírito aventureiro e o subjuga. Derrotado, o homem já não tem mais forças para lutar, mantém a sua riqueza cultural, mas aos poucos vai perdendo parte dela diante do ostracismo. E assim, passa então a se deixar levar diante dos novos tempos.
É através das novas gerações que a cultura vai declinando diante do novo. O contato com outros povos, de outras origens, de outras culturas miscigena a lingüística, perde-se os valores, agrega-se novos elementos. E a riqueza cultural de um povo, aos poucos some, a vida cotidiana absorve o novo e o velho, mas no convívio diuturno a cultura antiga cede espaço.
Os novos valores, conceitos e padrões morais são bem diferentes. A linguagem escrita e falada se distanciam, e assim as palavras e expressões que outrora eram a riqueza de um povo desaparecem por complemento.
Hoje, apesar de tanto tempo, ainda descobrimos pequenos fragmentos nítidos de uma cultura existente, de um modo de vida, de um padrão, de maneiras e formas de linguagem falada e através do livro “Antropologia Cultural – a ciência dos costumes”, volume 2, Editora Fundo de Cultura, escrito por Felix M. Keesing, passamos a compreender a história do linguajar da Baixada.
Toda essa evolução passa por quatro processos, o do choque de culturas, a assimilação de valores culturais, a conseqüente perda de elementos da cultura de ambos os povos para seguir com um novo elemento que agrega traços culturais dos diferentes grupos sociais.
Na referida obra, (p. 559), Keesing contextualiza em relação a todo esse processo da distribuição e da dinâmica da linguagem dizendo que:

“Um grupo de pessoas que usa os mesmo sinais verbais é referido como uma comunidade de mesma língua. Falando em sentido lato, o conceito é bastante claro; refere-se a pessoas que são capazes de compreender umas a outras. Como tal são distinguidas em oposição a pessoas que vivem em outros mundos de intercâmbio mental, como estando em outras comunidades de mesma língua.
Entretanto, na realidade, a demarcação de uma comunidade de mesma língua de modo algum é sempre fácil. As línguas muitas vezes se misturam, gradativamente, umas com as outras, através do intercâmbio mútuo de palavras e sentidos, principalmente quando estão geograficamente adjuntas, de modo que os limites não são definidos. Podem partilhar de uma só ascendência e, embora há muito separados, ainda ter muitos elementos evidentemente idênticos. (...) Além do mais, dentro de uma determinada comunidade de mesma língua, tendem a existir muitas subdivisões. Uma língua vastamente difundida tenderá a ser regionalmente diferenciada no que chamamos dialetos, formas verbais que possuem contrastes marcantes, embora não suficientes para caracteriza-las como línguas separadas”.

Diante disso procuramos compreender por quê o homem do campo possui uma maneira de falar tão diferente da do homem da cidade e encontramos no mesmo livro (p. 559) a seguinte observação:

“Adicionalmente, podem existir distinções entre a linguagem falada e a linguagem literária, se existe tal coisa (em geral escrevemos está, mas dizemos ´tá), entre a linguagem sofisticada dos centros principais, especialmente sendo urbanos, e as áreas provincianas e rurais, e entre a linguagem das classes superiores e inferiores, ou das cultas e das incultas. Depois, pode haver, igualmente, especializações convencionais, fundadas na ocupação (terminologia legal e médica em nossa própria língua), na religião (linguagem eclesiástica, contendo tipicamente muita coisa arcaica), ou na posição (terminologia “honorífica”, pertinente a classes e líderes), no sexo (alguns povos exigem que homens e mulheres empreguem espécies diferentes de discurso) e em várias outras dimensões”.

E (p. 560) continua...

“A linha de diferenciação entre um dialeto e uma língua não pode ser fixada. É uma questão de grau de inteligibilidade mútua. O mesmo é muitas vezes verdadeiro, como entre uma língua e algum grupamento maior de línguas correlatas, que ainda partilham elementos comuns. Mais compreensível, pelo menos por definição, é o conceito de uma família de línguas ou tronco de línguas. Trata-se de um grupo de línguas ligadas por conexões cientificamente demonstráveis (ou suscetíveis de hipótese), remontando a uma forma ancestral comum”.

Ele acrescenta também (p. 560) que,

“Nos casos em que a separação histórica e a oportunidade para especialização foram muito prolongadas, a língua original geralmente precisa ser reconstruída nos termos de umas poucas formas gramaticais criticamente importantes. Mas, em períodos mais curtos, mesmo correspondências fonéticas, verbais e outras podem persistir seletivamente numa forma reconhecível. Um novo artifício animador, para a comparação entre as línguas, recentemente proposto por Swadesh (1955) e colaboradores, é chamado léxico-estatística, ou, como um instrumento cronológico, glotocronologia. Segue uma velha idéia da lingüística, de que os sistemas de sons têm probabilidade de mudar seguindo certos modos regulares, por exemplo, a lei de GRIMM, que postula certas regularidades na mudança de sons nas línguas indo-européias”.

E conclui (p. 564/565):

“Entretanto, a par dessa tendência para a especialização local, deve-se reconhecer outra oposta para maior padronização e homogeneidade. Isto tem sido especialmente notado onde as comunidades têm uma vida agrícola e industrial estável, reunindo maiores agregados de pessoas, onde a linguagem se torna relacionada com o desenvolvimento nacional e onde a literatura e a imprensa exigem compreensões comuns de seu simbolismo. (...) Pode ir desde a aquisição de simples rudimentos de palavras e gramática e um emprego fonético imperfeito até uma compreensão tão perfeita que lembra a expressão “falando como um da terra”.

Mas o homem por sua sociabilidade procura meios de entrar em contato com outros povos e nesse intercâmbio ele passa a compreender e assimilar a cultura de outro povo. Esse fato é bem explicado por Keesing, nas (pgs. 565, 566):

“Os povos envolvidos nestes contatos de fronteira em geral não tinham de modo algum a oportunidade nem a inclinação para aprender a linguagem uns dos outros perfeitamente. Tudo o que se fazia necessário era conseguir um certo número de idéias padronizadas mutuamente compreendidas. As linguagens substitutas, portanto, se constituem sob a forma de um vocabulário de conveniência, tipicamente com uma estrutura gramatical limitada e com sistemas fonéticos reduzidos a algum denominador mais ou menos comum. Um fator indubitavelmente determinante da simplificação tem sido a tendência acentuada das pessoas para “falar fácil” com os etnicamente diferentes, exatamente como os adultos fazem com as crianças, em particular com pessoas de papel subordinado, como empregados e trabalhadores”

Ele afirma (p. 567) que,

“O fato de algumas línguas terem um vocabulário maior do que outras resulta simplesmente de possuírem uma coleção mais ampla de coisas e idéias para serem rotuladas – é questão de maior complexidade cultural, não de superioridade da língua. Segundo o padrão de complexidade, também, algumas das chamadas linguagens primitivas parecem apresentar gramáticas tão complicadas como qualquer uma elaborada pelo homem, em qualquer outro lugar. Os pesquisadores de campo contando as palavras verificaram que nenhuma linguagem tem menos do que vários milhares delas, e a maioria possui um número muito maior”.

O autor enfatiza também (p. 567) que,

“Como o expressa Kroebber: “Toda língua é capaz de modificação e expansão indefinidas e, por isso, está apta a preencher as exigências culturais quase imediatamente”
Um traço notável da especialização da linguagem é a elaboração de vocabulários especiais. Um povo da floresta tende a formar um vocabulário, discriminando minuciosamente as condições de seu modo de vida, isto é, o vento nas árvores, as características das plantas e animais locais. Um povo criador de gado manifesta discriminação semelhante relacionada com o gado e as pastagens. A sociedade industrializada tem uma terminologia detalhada para máquinas e invenções mecânicas, como bem o demonstra esse documento etnograficamente revelador, o catálogo de reembolso postal. Na teoria da padronização (problema 29) de Sapir, demonstra-se bem como cada meio lingüístico tende a incrementar um “estilo” distinto (mas não necessariamente superior) de falar e escrever”.

E é a partir dessa observação que passamos a compreender as diferenças entre muxuangos e mocorongos cada qual com o seu dialeto, a sua maneira de falar, a sua cultura, diante disso, (pgs. 568, 569) o autor exemplifica que,

“Whorf concluiu (1940) que cada língua “acorrenta o pensamento” de quem a fala, por meio dos “padrões involuntários de sua gramática”. Tal gramática “determina” não só o modo pelo qual construímos frases, mas também “o modo pelo qual encaramos a Natureza e destruímos o caleidoscópio da experiência, isolando objetos e entidades, sobre os quais construímos frases”. Recortamos e organizamos a “expansão e o fluxo” dos acontecimentos, como o fazemos generaliza-damente, porque, através de nossa língua, nos comprometemos como “partes de um acordo para assim proceder”, e não porque “a Natureza em si seja segmentada exatamente da mesma forma”.

Keesing, demonstra no capítulo sobre a “Estabilidade e Mutação na Cultura”, (pgs. 580, 581) que:

“O estudo dos sistemas culturais isolados no tempo tem sido atacado muito menos sistematicamente do que o estudo do contato entre as culturas. Pode-se compreender isso tendo em vista que esse último aspecto despertou a atenção dos antropólogos quando as chamadas culturas primitivas começaram a sofrer o impacto da civilização.
Teorias antigas julgavam, geralmente, e chegavam a afirma-lo abertamente, que as culturas em estado de isolamento eram quase totalmente estáticas. Admitiam uma alteração interna ocasional, representada por exemplo por uma “invenção”, mas o quadro geral era de uma tradição estável, transmitida com pequenas modificações, de geração a geração. Poucos povos, fora do âmbito da civilização, poderiam ser considerados como em movimento. Essa suposição de estabilidade cultural nas sociedades isoladas é, hoje, considerada errônea e artificial. Baseava-se primeiramente em impressões populares e, em segundo lugar, em interpretações inadequadas da cultura e da sociedade.
Alguns teóricos da Antropologia foram ao extremo oposto, afirmando que toda cultura está em movimento constante e contínuo. Sem uma explicação adequada, essa afirmação pode levar também ao erro”.

A assimilação e a perda de traços culturais, apesar de serem fatos antagônicos, interagem simultaneamente e isso é exemplificado pelo autor (p. 581):

“Indivíduos e grupos de situações diferentes interatuam e por vezes provocam atritos, chegando mesmo em certos casos a provocarem o desaparecimento de hábitos padronizados. Trata-se de um sistema “aberto”, e não de um sistema “fechado”. Ao mesmo tempo, principalmente quando examinamos as tendências mais amplas, há “mecanismos de autocorreção” que atuam fortemente no sentido da estabilidade e duração: o ensino, a formação de hábitos, a proximidade de pessoas com mesmos costumes, o conjunto de premissas normativas, os valores e as metas que constituem o modo de vida, os fortes laços afetivos que se acumulam em torno das regras e crenças geralmente aceitas. Qualquer sistema cultural em isolamento tende, portanto, a aproximar-se daquilo que se chamou de “equilíbrio”, “estado fixo”, homeostase. Do mesmo modo, as modificações lentas, usualmente voluntárias, que ocorrem dentro de um sistema cultural tendem a tomar um sentido consistente e um caráter que lhes dá o nome de tendência cultural”.

Ele acrescenta também (pgs. 581, 582) que,

“O peso relativo da estabilidade e da mutação em qualquer sistema cultural e mais especificamente em dimensões particulares de comportamento grupal e individual, dentro do sistema, é um assunto a ser investigado. Uma sociedade, numa determinada fase, pode aproximar-se do modelo homeostático. É, porém, uma questão pendente o saber se qualquer sistema cultural mais amplo, tal como “uma cultura”, tomado em conjunto, estará isento de qualquer mutação permanente ou “irreversível”, em determinado período, tais como as mutações lingüísticas, a criatividade artística, os ajustes econômicos à variação dos recursos do habitat externo, as reações às variações biológicas e demográficas como a modificação da composição da população por idade e família. Supõe-se que nenhuma sociedade pode existir sem sofrer inovações culturais no progresso”.

O autor mostra também (p. 583) que,

“Quando as duas culturas em contato são diferentes, o grupo e o indivíduo enfrentam sistemas totais alternativos de integração cultural e estrutura da personalidade”.

Ele assinala ainda (apud, Mc Gee, 1898) (p.583) que:

“O desenvolvimento humano (...) pode ser estimado pela proporção em que os recursos e as idéias são trocados e fertilizados no processo de transferência, isto é, pelo grau de aculturação. Nas culturas mais evoluídas (...) o intercâmbio é cordial e intencional – é a aculturação amigável. Nas culturas inferiores (...) o intercâmbio é hostil e ocasional e pode-se classifica-lo como aculturação pirata”.

E continua informando (p. 584, 585) que:

“Alguns estudiosos usaram a palavra em sentido cultural para mencionar o processo segundo o qual elementos estranhos são totalmente aceitos num novo ambiente cultural, ou seja, quando um costume é “assimilado”. É mais comum, porém, seguirem os antropólogos a técnica sociológica de considerar a assimilação existente quando os membros de um grupo étnico. Do ponto de vista do conjunto da história do homem, esse aspecto tem sido sem dúvida importante, como nos casos de assimilação de povos conquistados ou conquistadores. Nos termos da dinâmica atualmente observáveis, porém, isso é uma raridade, exceto quando se trata de migrantes, individuais ou em família. Os exemplos que poderiam ser citados para ilustrar a assimilação são os do grupo minoritário de imigrantes desligados de sua pátria, um pequeno grupo minoritário rodeado por uma maioria de imigrantes, e a consolidação de elementos heterogêneos num todo nacional ou étnico”.

E ainda (p. 585):

“A aculturação é um processo altamente seletivo no qual o grupo exposto ao contato cultural mantém sua identidade social e, até certo ponto, sua característica e integridade culturais. Já encontramos aqui um exemplo que teve importância na teoria social, o da “sociedade grupal” (Problema 29). Como acontece entre os camponeses latino-americanos, esse meio combina de forma típica, num novo equilíbrio, os remanescentes da vida indígena e os elementos selecionados e reinterpretados de uma tradição externa, predominantemente rural. Quando dois sistemas culturais fundem-se desse modo, formando um novo terceiro sistema distinto, o processo é chamado de fusão cultural. Mas muitas outras combinações podem ser identificadas, e sobre elas formuladas reconstituições teóricas”.

O autor exemplifica (p. 587) que,

“Outro exemplo de aculturação ocorre quando dois sistemas culturais em contato mantêm uma relação mais ou menos simbiótica, cada qual conservando sua identidade e integridade próprias, ao mesmo tempo que assimila mutuamente certos elementos. Isso acontece quase sempre nos casos em que diferenças raciais, étnicas ou lingüísticas impedem a assimilação, (...) mantém suas tradições apesar de sua relação de interdependência dentro de um sistema sócio-cultural amplo”.

Essa mistura de elementos culturais agregados tende a pôr fim em alguns traços culturais que não se mantêm ativos, como define o autor (p. 587):

“O grande número de “frentes” de aculturação no mundo tem em comum certas características variáveis que podem ser utilizadas para o desenvolvimento de tipos mais específicos ou exemplos de contato cultural. Uma dessas características é o alcance temporal. Quando os outros fatores têm o mesmo valor, pode-se afirmar que quanto mais demorado o contato, maior será a aculturação. Na realidade, porém, isso não constitui uma verdade universal. Algumas sociedades, depois de um período de rápida aceitação dos elementos novos, pode modificar sua atitude adotando um movimento “antiaculturativo”, como mais adiante descreveremos, no qual os antigos elementos são revividos. Dentro de determinado período de tempo, um grupo pode assimilar os elementos novos muito rapidamente, ao passo que o outro se mantém firme nos velhos costumes”.

E mostra (p. 595) que,

“De certa forma, a ação “inventiva” ou “inovadora” pode ser considerada como o “átomo”, por assim dizer, da seqüência de comportamento. Esses atos individuais reagrupam a experiência cultural e pessoal numa disposição sempre variante, em torno da norma ou modo grupal. Grande proporção deles provalmente não se repete nunca da mesma forma. Muitos se repetirão, transformando-se em hábitos pessoais e, aqui e ali, uma variação individual do comportamento atrai a atenção dos demais, é repetida e começa a estabelecer uma nova atitude grupal, pelo menos temporária, mas que também pode passar a fazer parte do meio cultural permanente, tal como também pode passar a fazer parte do meio cultural permanente, tal como ocorre por vezes com um dito espirituoso num teatro, uma ferramenta nova, uma nova receita de cozinha, uma interpretação religiosa não formulada antes”.

Mas de que forma esses laços culturais se rompem? O autor mostra (pgs. 598, 599) que:

“A difusão, no sentido historicista, compreende a transferência de elementos de uma cultura para outra. (...) Wissler (1923) distinguiu dois tipos de difusão: a natural, ou baseada em contatos ocasionais ou voluntários; e a “organizada”, quando existe um esforço objetivo e por vezes compulsório na transferência cultural.
Os aspectos inovadores da difusão por estímulo constituem evidentemente, um caso extremo das modificações que devem estar sempre presentes, em certo grau, no comportamento de transferência de grupo a grupo e mesmo de indivíduo a indivíduo.
Um processo de perda cultural ou extinção também foi observado por vários estudantes como parte desse quadro dinâmico. Isso pode ser provocado pelo “deslocamento” dos elementos mais antigos por inovações ou pelo envelhecimento de elementos internos de um sistema. Kroeber (1948), num trabalho que é provavelmente o exame mais sistemático de perda cultural, cita exemplos de como as limitações de ambiente, declínio de habilidade, redução de população ou empobrecimento podem provocar o declínio ou desaparecimento de elementos culturais”.

O autor mostra também (pgs. 600, 601) que:

“O trabalho inclui também o exame do desaparecimento mais ou menos total de um sistema cultural ou o que por analogia ele chama de “morte cultural”. Kroeber observa, porém, que a parte a extinção total de um grupo, que é rara (por exemplo, os aborígenes da Tasmânia) a sociedade em questão continua existindo, como aconteceu no Egito ou Grécia. O que ocorre, portanto, é a “dissolução de um determinado conteúdo ou reunião cultural, configurado numa série de aspectos próprios mais ou menos únicos”, pertencente àquela sociedade em tempos passados”.

Keesing acrescenta (pgs. 600, 601) que,

“O processo de modificação em elementos novos e antigos, em condições dinâmicas, foi sumariado por diferentes estudiosos numa série de conceitos correlatos, entre os quais o ajuste, a readaptação, a reorientação, a reinterpretação, a indigenização, a sincretização (fusão), a síntese e (o que preferimos) a reformulação. O próprio número desses termos, talvez alarmante para o principiante da teoria, indica o grande interesse em identificar esses processos. Na verdade, quatro alternativas principais são possíveis:
1 – Adoção de novos elementos culturais.
2 – Rejeição de novos elementos culturais.
3 – Retenção de elementos culturais antigos.
4 – Abandono dos elementos culturais antigos”.

E declara ainda (p. 606) que:

“Em casos extremos, indivíduos e grupos sofreram, ou estão em processo de sofrer, a experiência de ter todo o sistema de valores ameaçado ou destruído, catastroficamente ou através de prolongada série de crises. O efeito pode ser semelhante ao de um terremoto: a cultura e personalidade podem chegar a extremos de desorganização; a mutação, especialmente a perda, tende a ir cada vez mais rápida e mais longe. A reformulação e reintegração do sistema de vida são mais difíceis – e disso resulta a morte cultural, tal como a chamou Kroeber”.

Diante desse quadro o homem finalmente encontra um novo modelo de cultura. E Keesing explica todo esse processo (p. 610):

“Essa hipótese de uma perda geral da vontade de viver tem sido objeto de muita controvérsia, mas sob certo ponto pode ter validade como uma forma de exemplo psicológico relativo à baixa moral, falta de auto-respeito e confiança, tendência à apatia e mesmo à falta de esperança, sentimento de ser incapaz de voltar à antiga forma de vida ou encontrar uma nova – todos os estados de espírito que tornam extremos os casos de desintegração pessoal e cultural”.

E conclui (p. 611):

“Pais e anciãos podem ser “conservadores” e os grupos de idade mais jovens, “progressistas”. As comunidades próximas dos centros urbanos podem inclinar-se mais fortemente para as modificações, ao passo que as comunidades rurais se mantêm estacionadas.
Notamos anteriormente que o estudo do indivíduo na cultura, do ponto de vista teórico, tal como o de Mead, Benedict, Linton e Kardiner, concentrou-se quase exclusivamente na maneira como a personalidade ou o caráter se modela segundo as formas de uma cultura estável. O principal modelo utilizado foi o da “enculturação” positiva em relação a um único sistema cultural, embora se deva levar em conta algum desvio ou “anormalidade”.

Uma característica peculiar da Baixada Campista está no linguajar. E algumas dessas palavras se tornaram tão marcantes que até hoje ainda são pronunciadas pelos homens dos séculos XX e XXI.
Cabe ao pesquisador, verificar na lingüística os modos, as maneiras, as regras gramaticais, os dialetos ditos e proferidos pelos muxuangos e mocorongos, e Marconi e Presotto (p. 26) informa que:

“De todos os ramos da Antropologia Cultural, a lingüística é o mais auto-suficiente em função da independência que envolve o seu conhecimento. A linguagem é um meio de comunicação e também um instrumento de pensamento. A grande diversidade de línguas acompanha a grande variedade de culturas, cada uma delas com suas formas, e estruturas básicas definidas”.

Passados quase cinqüenta anos desde a instalação da primeira estação de rádio no município, o povo campista passou a ouvir, compreender e transmitir novas informações em uma linguagem bem diferente daquela que ele falava. E hoje o que nós pesquisadores percebemos nessa série de expedições à Baixada Campista, é que o campista da zona rural já absorveu boa parte das novas normas e regras gramaticais da língua portuguesa, mesmo que, alguns deles nunca tenham sentado sequer num banco ou numa cadeira escolar. O que ocorreu é fato, a mídia modificou o linguajar do homem do campo.
Mesmo assim, entre algumas das pessoas com quem tivemos contato, pudemos perceber e ouvir expressões, palavras e construções de frases completamente disformes em relação à norma culta da língua portuguesa, transmitida por pedagogos e professores.
Dentre a maioria dos entrevistados uma pessoa se notabilizou e chamou a atenção de um dos pesquisadores, Alaíde Vital, da localidade de Mineiros, que com seus 93 anos, confessou nunca ter ido à escola para se alfabetizar, e mesmo assim não cometeu nenhum deslize ou vício de linguagem nas suas declarações. Já entre os outros entrevistados pudemos perceber que quase todos tinham a característica de colocar os pronomes possessivos após o verbo. Essas pessoas, entretanto, é que nos deram pistas e passaram informações a respeito de palavras e combinações diferentes de vocábulos para expressar e dar idéia de algo.
Além disso, todos os entrevistados sem perceber foram analisados meticulosamente, deixaram transparecer algumas construções idiomáticas, como o fato de ao responderem as perguntas dos pesquisadores, perguntavam e terminavam as frases com o vocábulo interrogativo né, que nada mais é do que a junção de não + é, e dando a entender que o pesquisador que havia feito a pergunta também conhece o fato.

não = advérbio de negação.
é = verbo Ser na 3ª pessoa do singular do presente do indicativo.

Uma construção que chamou por completo a nossa atenção foi quando o Antônio de Zinho, de Caboio, falou que nós deveríamos ir a algum lugar para tomar direção, que nada mais é do que pedir informação. Isso sem falar que nós deveríamos curvar a estrada, como se qualquer um dos pesquisadores pudesse pegar a estrada com as mãos e curvá-la, quando na verdade ele queria dizer que nós deveríamos fazer algo, após fazermos a curva.
Uma palavra que é o verdadeiro cartão-postal de todo campista e pronunciada quando quer dizer que alguém é ruim, é o famoso cabrunco. No livro “O Homem e o Brejo”, de Alberto Ribeiro Lamego, na página 98, o autor e pesquisador campista nos conta que a origem da palavra é proveniente de uma doença que atinge o gado bovino. O carbúnculo, essa doença contagiosa é transmitida ao homem através do contato com o couro de algum animal infectado pela doença. Mas como o homem do campo, ignorante no linguajar não compreende o nome da doença ele provavelmente ao transmitir a informação para outro cidadão acabava pronunciando a palavra de forma incorreta, e o carbúnculo, vira cabrúnculo, passando posteriormente a pronúncia que hoje conhecemos, o cabrunco.

Carbúnculo => cabrúnculo => cabrunco

Ao compreender o significado da doença, podemos definir que cabrunco é o ato de querer aproveitar algo (couro) de alguém (vaca) morto com o mal (doença).
Mas o linguajar dos habitantes da Baixada Campista que foi todo calcado em palavras ditas e pronunciadas por muxuangos e mocorongos, também possui outras tantas palavras para denominar objetos, brinquedos, costumes, etc.
Outro fato que chamou a atenção dos pesquisadores foi como as pessoas informam o nome de outrem a partir do momento que não sabem o verdadeiro sobrenome. Eles simplesmente anexam o nome do pai ao nome do filho, independente da geração, e muitas vezes também, anexam a profissão ou a atividade laborial da pessoa a quem se deve procurar.
Essa relação pode ser vista e ouvida na transcrição abaixo, em uma informação que Antônio Franco Machado, mais conhecido como Antônio de Zinho, (veja aqui um exemplo), fala a respeito de seu amigo, Aristides:

“É, Aristides de Joca, o pai dele chamava Joca, não sei Aristides de quê, deve ser Ribeiro, mas nós conhecemos ele como Aristides de Joca”.

Curiosamente, esse fato mostrou que a sociedade ainda mantém traços de uma cultura e da relação na maioria das vezes, daqueles que viveram na época dos engenhos e dos sinhôzinhos. Além de demonstrar que a pessoa informada ou toda a sociedade da zona rural ainda mantém uma identidade patriarcal na família.
Em seu livro “Folclore do Brasil”, (p. 18) o historiador Luís da Câmara Cascudo, define que as atitudes e os modos de falar dos homens do interior de hoje nada mais são do que reflexos de hábitos utilizados há quinze ou vinte séculos atrás.

“Nós nos saudamos na rua como há quinze ou vinte séculos atrás. No ponto de vista da linguagem o povo não fala errado. Fala ao jeito dos séculos XV e XVI. Os nossos filólogos já têm salientado o sabor arcaico dessa linguagem, da sintaxe esquecida, mas antigamente legítima, mantida pelo povo. Cláudio Basto (1886-1945), eminente etnógrafo de Portugal, convencera-se: - “O povo é um clássico que sobrevive”, afirmara.”

Se por um lado os pesquisadores encontraram dificuldades em encontrar nas falas dos entrevistados características marcantes do linguajar campista, por outro lado eles conseguiram descobrir em pouquíssimos livros sobre esse assunto material suficiente para abrilhantar a pesquisa.
No livro “Crônicas & Causos” (p. 111), o autor Gil Wagner Quintanilha mostra uma diversidade de elementos e construções de palavras que foram esquecidas do povo da Baixada Campista. Em um desses exemplos ele narra que:

“(...) certa vez apareceu no cartório de meu pai, um lavrador da redondeza pedindo uma providência contra o noivo da filha, “que se autorizou dela, embora com o casamento marcado”. Mais tarde, num almoço, o dono da casa saiu-se com aquela: “Gente, vocês se autorizem da comida à vontade, sem cerimônia”. Daí para diante é que vim compreender o exato significado desse verbo empregado pronominalmente: “autorizar-se”, nesse particular, quer dizer usar e abusar, sem receio, de alguma coisa. Consultei os dicionários e não localizei o registro sob tal acepção”.

Outra expressão utilizada era “gingo” ou “jingo” que tinha o significado de pirracento, teimoso, empacado ou embirrado. O mesmo fato se dá com a palavra “ico”, que dependendo do substantivo dava-lhe um novo significado, como por exemplo:

Carne ica (carne dura) – menino ico (menino teimoso)
burro ico (burro empacado, embirrento)

Mas o campista tem também expressões que, assim como o famoso “cabrunco”, marcaram época como por exemplo o “de já hoje”, ou “de já hojinho”, que significa que alguém ou algum fato ocorreu a poucos instantes, e o autor exemplifica assim (pgs. 111, 112),

“Acerca do famigerado “de já hojinho”, antes peço vênia ao meu amigo Dr. José dos Santos Silva, que o arrolou no seu “Di-já-hojinho”. Pelo menos o “desde já hoje” já está em o “Novo Dicionário Aurélio”, no verbete “já”, desse modo: “desde já hoje. Desde muito”. Por certo que haverá quem critique esse “hojinho”, como diminutivo de um advérbio (hoje), sabido que este é invariável.
Que me seja permitido entender que é uma forma para dar a idéia de um fato mais recente, como sucede com o “agorinha mesmo”, que o cit. Aurélio incluiu no seu referido léxico. Agora não é também um advérbio? Está, no entanto, aí flexionado para o diminutivo. E Antenor Nascente, no seu “Dic. Ilust. da L. Portuguesa”, igualmente insere agorinha = “há poucos instantes”, e mais, como diminutivo de agora”.

Outra expressão muito utilizada e que até hoje se ouve é “gastura”, que significa ter uma irritação nervosa ou arrepio provocado por um som ou um ruído irritante. Como o da fricção das unhas dos dedos no quadro-negro.
Apesar das novas tecnologias, do avanço da informática, a cultura televisiva o campista quando está longe de sua terra não esquece das suas raízes como conta o autor nesse trecho do mesmo livro (p. 113):

“Conheço, por exemplo, o caso de certo campista de Santo Amaro: andava ele numa calçada de Porto Alegre, quando ouviu dois senhores que lhe iam pouco adiante, tendo um, de repente, respondido ao outro assim: - “Rapaz, aquilo é um “lamparão”de teimoso. Aquele “tisgo” é muito “ico”. O santamarense não agüentou e bateu no ombro do autor daquela saborosa frase: - Se mal lhe pergunto, o senhor é de Campos?”. Veio logo a sorridente resposta afirmativa, com a gozação do emprego do “se mal lhe pergunto”, que o perguntador logo viu no perguntante como identificação da gente dos arredores: fala em tom alto e despreocupado, próprio das pessoas francas e tranqüilas”.

As palavras quando criadas tão ao natural muitas vezes caem no gosto popular e a partir de então são utilizadas tantas vezes que com o tempo o campista acaba esquecendo o modismo e a coloca de lado. Há outras palavras também como narra o autor. Como por exemplo, “gibilado”, ao qual o autor exemplifica desse modo (p. 112):

“Sempre me causou espécie ouvir um tal de “gibilado”, nessa dicção: “esse menino é muito gibilado”, no sentido de astuto, vivo, escolado. Pensei em “jubilado”, que era o aluno que se formava por muita experiência ou tempo na escola; era um experiente, um escolado. Seria essa origem? Seja como for, escreva-se “gibilado” ou “jibilado”, o certo é que o termo corre mundo na Baixada Campista sob essa significação”.

Algumas expressões citadas pelo autor foram ouvidas até meados da década de 70 do século passado. Como por exemplo:

Goderar – comer com os olhos; ficar com água na boca, enquanto vê outro comendo.
Correr do páreo – roer as cordas – não manter a palavra.
Pau-de-amarrar-égua – sujeito que serve ou se presta para qualquer coisa.
Nossos cachorros não caçam juntos – não nos damos bem.
Murchar as orelhas – baixar o rabo – ficar com o rabo entre as pernas – ouvir desaforo, calado, covardemente.
Com a boca na botija – pegado em flagrante, na prática de ato ilícito.
Não pregar prego sem estopa – não dar ponto sem nó – não agir sem visar proveito próprio.
Olho viu, boca andou – viu comida, quer logo comer.
No tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça – época da vaca gorda, época da fartura.
Lavar a égua – levar muita vantagem
Não estar na casa da sogra – não estar à vontade – não poder abusar.
Como é a sua graça? – qual é o seu nome? - qual é o seu nome de batismo?
Como vai a obrigação? – como vai a família? (família é a primeira obrigação do homem).
Deitar-se com as galinhas – deitar-se cedo.
Fora os que mamou – observação que se faz quando alguém informa, diminuída, a idade que tem (fora os anos que mamou).
Vai ver se estou lá fora – maneira de mandar sair alguém cuja presença não interessa no momento.
Virar bicho – esquentar-se, zangar-se.
Bananeira-que-já-deu-cacho – alguém que se tornou imprestável pela idade.
Filho feio não tem pai – de um ato condenável não se apresenta o autor.
Cagado ao pai – igualzinho a este.
Ter cabelo na venta – rixento, bravo, esquerdo.
Que instrumento o senhor toca? – indagação do pai ao pretendente a casar-se com a sua filha, ou quando se indaga a um desconhecido qual a sua profissão.
Fulano é uma pêra – é uma seda – é um exagero de sensível, zanga-se à toa.
Manteiga derretida – quem chora à toa.
Na hora-do-pega-prá-capá – na hora-da-onça-beber-água – no momento decisivo.
Metido a sebo – metido a importante; metido a besta.
Maior-de-espada – é o trunfo que se guarda para a hora certa – o recurso que se esconde para uso no momento decisivo.
Tirar-o-pé-da-lama – melhorar as finanças.
Urubu, quando de azar, até o de baixo caga nele – pessoa que quando está infeliz nos negócios e em tudo; está com urubucubaca.
Cabeça de vento – leviano, estouvado, imprudente.
Serelepe – buliçoso, irrequieto, provocante, astucioso.
Cuspir no prato que comeu – sujar a água que bebe – ser ingrato ou mal agradecido.

O campista da Baixada também foi pródigo em encontrar e mostrar o cotidiano, ou definir situações como em “aguado”, Quintanilha (pgs. 116, 117) explica desse modo:

“Ouvia, em criança, um cara dizer: - ‘Retire esta égua daí porque o cavalo do outro lado da cerca acaba ficando aguado’. Explicaram-me depois que a égua estava no cio, e, por isso, o macho estava indócil, resfolegante e escoiceando o ar, espumando de ódio por causa do obstáculo da cerca alta que não lhe dava condições de pular. Aos poucos, depois, ele ia perdendo as forças e caía em “aguamento”, que é uma doença conseqüente de esforços em excesso. Explicou-me ainda o explicador – certamente para pilheriar – que o homem também pode ficar “aguado”. Este termo, de resto, em qualquer dicionário significa frustrado. E não foi o que ocorreu com o cavalo em foco?
E, a propósito, existe uma outra situação, ocorrente sempre entre crianças, que faz lembrar o “aguamento” do cavalo. É um brasileirismo muito ouvido no interior do nosso município. Trata-se do verbo “goderar”. Já ouvi muitos pitos desse modo: - “Menino, saia de perto dessa mesa de doces e vá lá pra fora. Pare de ficar goderando. Aguarde a sua vez”. Enquanto isso, a criança fica engolindo cuspe, porque com a boca cheia de saliva, vendo os outros comendo à vontade. É o que se chama de comer com os olhos, que não enche barriga”.

Infelizmente, estas expressões sumiram do cotidiano da Baixada Campista na medida em que a televisão, o rádio e a internet mudaram toda a estrutura do pensamento comunicacional dos campistas de um modo geral e torna-se difícil, quase que impossível encontrar algum fragmento cultural do linguajar da Baixada, porque o povo já absorveu em seu seio a nova linguagem universal, a linguagem portuguesa e americana, através dos veículos e dos meios de comunicação.

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