quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

13.2 - O Mocorongo

Bem diferente do muxuango em todos os aspectos, o mocorongo soube vencer as adversidades do caminho escolhido até chegar a planície, enfrentou matas e montanhas, acompanhando a expansão dos canaviais e dos engenhos de café. Surgiram em dois momentos da história, um no correr do século XVIII e o outro um século depois.
As dificuldades pelo caminho só lhe deram cada vez mais ânimo para continuar lutando e vencendo os desafios da floresta para cultivar a agricultura. Sente-se como um embrião que germina.
O mocorongo vive nos aluviões e nas proximidades das vertentes das montanhas. É, pois encontrado na região de Murundu e mais ao norte do estado do Rio de Janeiro, entrando até o sul do Espírito Santo. Curiosamente os trens rústicos e mistos que circulam nesta região por serem lentos e velhos são popularmente apelidados de mocorongos.
Ao procurar dar uma identificação para ele, o autor e pesquisador Alberto Lamego Filho, o compara a uma flor como na p. XV da mesma obra:

“Às vezes, a triste “sempre viva”, simboliza o pobre caipira, roxo de sofrimento, seco de penúrias, mas resistindo “ico”, à absorção do meio”.

Físicamente o mocorongo possui a pele terrosa, os olhos oblongos (alongados no comprimento), os cabelos negros e corredios, o osso da maçã do rosto em relevo, a barbicha de piaçava gasta, e a boca sempre extensa num sorriso duvidoso. O mocorongo é manso e trabalhador, é tímido e paciente, atarracado e musculoso, tem o passo miúdo, o gesto mole e porte indolente. Todas estas características são também típicas do “puri”, o direto descendente da nação indígena que se extinguiu no fim do século XIX.
Ao obter contato com a floresta, desenvolve energia suficiente para vencer as adversidades e obter lucros com o café, mas vive também do milho, arroz, feijão, banana e a prática da caça. O que sobra da colheita, vende na outra estação, nas vendas ou na pilação afreguesadas.
Uma das grandes características típicas deste homem é o saudar, que o torna reconhecível no primeiro momento, um aperto de mão flácida, seguido de um toque mútuo no ombro direito e finalizando com um novo aperto de mão.
Diferentemente do muxuango, o negro e o cafuzo aparecem no meio dos mocorongos e essa renovação de cor se dá com o desmoronamento das senzalas.
O seu modo de viver é variado, por causa das mudanças do cenário onde habita, é esquivo, e vive escondido nos matos, quando é pobre muda de patrão, e casa como tatu de cova. Quando é remediado compra logo o seu sítio e é nas encostas dos morros ou nas vertentes que faz a sua moradia.
A casa do mocorongo é levantada sobre esteios, lembrando as cabanas dos índios goytacazes na beirada ou no meio das lagoas, mura-a de sopapo, cobre de telhas ou de pequenas tábuas, faz o reboco, mas na maioria das vezes não pinta. Desse modo Lamego (op. cit.), p. XV, exemplifica:

“Dependurada ao lado, sorridente de balaústres, debruça-se infalivelmente a varanda convidativa, sobre um esboço de jardim minúsculo. As flores favoritas são explosivas de colorido: o lilás vivíssimo da jurujuba, o beijo cor-de-rosa, a insolência gritante das cristas de galo e o girassol cronométrico. Os lírios escarlates e amarelos põem uma nota espanholesca de alegria no terreiro ressecado. O conjunto é perfumado pelo manjericão, pela losna, pela “catinga de mim”, ou “catinga de mulata”. Esta última, de nomes ternamente brasileiros, quando o ramo lembrativo sai das mãos de uma cabocla para a lapela do namorado”.

O mocorongo apesar de ter aparecido bem depois do muxuango, é na verdade um recém-chegado, “um intruso na terra virgem da floresta”, onde se encontra à sua revelia. Não é imigrante, mas fugitivo; não é conquistador, mas refugiado. A motivação que o faz exaltar e o torna capaz de resistir à absorção do meio não lhe tira o jeito arredio de “chegadiço espantado”, e com isso a sua casta inferior se enobrece.
Apesar de tantas diferenças, estes dois elementos possuem duas características bem peculiares, o gosto pela dança e a timidez. E é nas festas que o vemos comumente dançando “Marrecas”, “Mineiras”, “Quindins”, “Extravagâncias” e, sobretudo, a mais conhecida e irresistível, revolucionante e regionalmente campista, a “Mana-Chica”.
Na timidez, enquanto o muxuango é um ser retardatário envergonhado, o mocorongo é um chegadiço espantado. Enquanto o muxuango encalhou nos areais da costa, o meio montanhoso e florestal reabilita aos poucos o mocorongo, cujo sangue bárbaro já calmo, sente a contaminação e a revitalização, estimulado pelo café.
Tanto o muxuango, como o mocorongo, são personagens dramáticos do enredo que Lamego Filho concebeu para a saga do povoamento fluminense.

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