sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

4.1 - Solar do Colégio

“(...) Solares saudosos, imensos, desertos, repletos de história. De canto em canto acocorados como “babás” centenárias, fitam incompreensivelmente cegos o presente, com os olhos parados das janelas vazias” (...).
Lamego, Alberto Ribeiro. “A Planície do Solar e da Senzala”, Arquivo Público do Rio de Janeiro, 2ª Edição, 1996.

A casa dos jesuítas, a qual integra a capela, edificação do século XVII, popularmente conhecido por Fazenda do Colégio, em Tocos, na Baixada Campista, com passagem pela formação do município de Campos dos Goytacazes, é uma marca de seus principais fatos e vultos. Em suas propriedades, os jesuítas colocavam marcos em pedra, com o símbolo da Ordem Jesuíta, que significa: “Tudo em nome do Senhor”.
Joaquim Vicente dos Reis, segundo relato num folder encontrado no Arquivo Público Municipal, foi o herdeiro das terras do solar dos jesuítas, tendo, no final do século XVIII, uma das fazendas mais produtivas da região. Este nobre veio a falecer no dia 9 de abril de 1813, deixando a propriedade para seu genro, Sebastião Gomes Barroso.
Na fazenda do Colégio existia uma grande criação de gado, cavalos, suínos e outros animais de corte. Havendo, também, plantio de mandioca para produção de farinha, feijão, arroz, milho, cana-de-açúcar destinada ao engenho próprio que atendia toda região; e de algodão, para confecção de pano branco no tear da fazenda, com o qual se costurava roupas dos escravos e sacaria para os produtos do bangüê.
Foi considerada durante anos a maior fazenda da Baixada Campista e seu engenho de açúcar, segundo Couto Reis (apud March, p.51)
7, figurava entre as de maior importância da época, superando a de outros proprietários das redondezas.
Morador do Solar do Colégio, o próprio escritor (March, p.52) resgata parte da história do lugar através de lembranças e saudades. Em um dos trechos descreve, com detalhes, o que continha na fazenda no ano de 1785, destacando a importância de sua riqueza.

Escravos, 1.482 criaturas; gado vacum, 9.625 cabeças; gado cavalar, 4.017 cabeças; açúcar, 8.618 arrobas; algodão 46 arrobas; aguardente, 10.550 medidas; milho, 380 alqueires; feijão, 260 alqueires; arroz, 300 alqueires; farinha, 331 alqueires; pano branco, 800 varas.

Não é só o extenso crescimento econômico que deslumbrava o solar com suas histórias que fascinam até hoje, mas como sede de intensas movimentações políticas e culturais mais freqüentes. No século XIX figuras ilustres como Saldanha da Gama, D. Pedro II, a Imperatriz D. Teresa Cristina, a Princesa Isabel e o Conde D´Eu se hospedaram, regiamente, no Solar do Colégio, fazendo largos elogios não só quanto à sua grandeza arquitetônica, mas, principalmente, com relação à sua organização administrativa, não faltando encômios à hospitalidade de seus proprietários.
A construção, segundo publicação na imprensa
8, foi tombada pelo SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - (atual IPHAN), em maio de 1946, sendo desapropriado, em 29 de maio de 1977, pelo Governo do Estado. O último dos Barroso a morar no local foi João Baptista, falecido em princípios de 1980. Era uma pessoa antenada com seu tempo e mantinha, em Goytacazes, o cine-teatro, hoje em ruínas, onde foram exibidas, durante décadas, as mais importantes produções de Hollywood e de grupos amadores e companhias brasileiras de teatro.
A procuradoria Estadual determinou a emissão de posse em maio de 1980, mas a família vigiou e protegeu a propriedade até 1984, quando a medida foi cumprida. As terras ficaram abandonadas por cerca de 10 anos. Em seguida a UENF (Universidade Estadual do Norte Fluminense), por inspiração do professor Darcy Ribeiro, iniciou o processo de recuperação do edifício, pretendendo transformá-lo na Escola Brasileira de Cinema
9, só que o projeto não chegou a se concretizar. As obras ficaram paradas até 2000, quando foram finalizadas com o intuito de abrigar o Arquivo Público Municipal, criado em maio de 2001, pela Lei nº 7060, e inaugurado em 28 de março de 2002, sob a égide da Fundação Cultural Oswaldo Lima, da Prefeitura de Campos dos Goytacazes10.
Nesses 10 anos de abandono, várias foram as pessoas que lamentaram a morte viva da história de Campos, morrendo com a erosão e o desprezo, como se não bastasse o efeito do tempo. Mas, também, muitos foram aqueles que furtaram peças de valor do Colégio. Alguns escritores deixaram gravadas suas revoltas pela perda do precioso tesouro cultural. João Oscar
11, no prefácio do livro de March, escreveu:

“O secular e senhorial “Solar do Colégio”, plantado com o suor e sangue pelos Jesuítas na espraiada planície campista está quase morto. Reviou-o (sic) com olhos desvanecidos de ternura, logo marejados de lágrimas de saudade e desencanto. O velho sobradão, testemunha viva de fatos históricos legendários, cenário imorredouro da memória fluminense e nacional agasalho de varões ilustres e sinhás de fibra, depositário das cinzas e recordações de heróis e matronas, cenário de engenhos fumegantes e senzalas alvoroçadas, deparou-se como um fantasma sombrio à sua frente (...)”.

De acordo com o diretor do arquivo Carlos de Assis Freitas, está sendo feita uma detalhada recuperação da história do Solar, buscando as pessoas que compartilharam com a vida da fazenda e também restos da casa. O Arquivo Público Municipal tem como projeto a restauração e preservação de toda documentação da prática administrativa do município, apoiado pela FAPERJ (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), tem o objetivo também de prestar serviços à comunidade, guardando documentos da cidade de forma correta e fazendo reparos para a utilização. E acrescentou:

“É importante que a população campista saiba de sua história, as crianças devem apreender nas escolas todos os detalhes da colonização até os nomes mais importantes que marcaram os tempos. Isso é cultura”.
7 Verde Planície, Verde Solar”, Antogui Barroso March, Editora Cromos, Niterói, 1988.
8 O documento encontrado na Biblioteca Municipal não cita o título do jornal e nem a data da publicação. Aliás isso demonstra a despreocupação antropológica da instituição, o que dificulta o resultado da pesquisa científica.
9 A escola teria o modela da escola cubana e para aqui vieram os cineastas Orlando Sena e Geraldo Sarno com o objetivo de instalar o primeiro curso, que, inclusive, chegou a anunciar o seu vestibular. Depois o plano gorou e os cineastas voltaram às suas atividades no Rio de Janeiro.
10 Na inauguração, pela primeira vez na história, no espaço da capela de Santo Inácio de Loyola, apresentou-se um grupo de negros, com parte do espetáculo “Ilê Sain a Oxalá”, por conta da Núcleo de Arte e Cultura de Campos. O espetáculo causou uma comoção coletiva, levando os presentes às lágrimas, incluindo a pesquisadora Lana Lage.
11 O escritor João Oscar do Amaral Pinto, autor de “Kurucango Rei”, residente atualmente em São João da Barra.

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